Talvez seja amor

Vania Abreu Oficial
4 min readJun 3, 2022

Eu não amo muito tudo isso, como dizem.

Amor pra mim é palavra cara e rara, mas não tão rara quanto dizem por aí.

Dizem que temos amigos de verdade, aqueles que contamos nos dedos de uma mão são raros, e e foram diminuindo o amor que podíamos sentir por mais pessoas, pela vida e nos convencendo que o amor só vale mesmo por objetos ou por coisas compradas.

Eu amo muitas pessoas de formas e medidas distintas.

Eu amo fazer muitas coisas, também.

E muitas coisas despertam em mim, amor.

Sinto uma emoção muito intensa quando tomo banho de mar, talvez seja amor.

Sinto uma felicidade difícil de explicar, quando vejo um animal perto de mim. Seja um cachorro, um gato ou aqueles mais impossíveis de convívio com nossas edificações, talvez seja amor.

Sinto uma emoção muito grande e inexplicável quando vejo um pôr do sol, num dia de verão em Salvador. Naquele instante o tempo fica um só, talvez seja amor.

Sinto uma alegria muito especial quando vejo um lindo dia de outono, em São Paulo. Tem um céu azul que é um azul belo demais, tem uma luz muito linda e umas cores que se formam pelos raios de sol, com as nuvens formando desenhos irrepetíveis, talvez seja amor.

Sinto uma esperança enorme quando assisto a um filme bem bonito, quando leio um livro incrível, quando vejo uma obra de arte especial, quando dou risada com palhaços num circo, eu sinto amor. E tudo isso foi feito por gente que eu não conheço, mas, talvez seja amor.

Sinto uma emoção muito especial, misturada com uma sensação de deslumbramento quando estou diante da natureza e suas diferentes formas gigantescas e o mesmo diante das minúsculas formas de vida, talvez seja amor.

Sinto uma emoção muito parecida com amor, quando vejo qualquer criança sorrir feliz e sendo bem cuidada e amada, talvez seja amor.

Amo minha casa, meu jardim, alguns objetos pessoais, com história porque me lembram outras coisas que amo e é um lugar cuidado para ser vivido e receber pessoas que amo.

Amo fazer algumas coisas no meu dia, tomar um café com bolo, fazer uma receita de minha avó Olga, quando estou me sentindo sem lugar no mundo, adoro arrumar livros e papéis quando estou confusa, amo dar conta de coisas desimportantes.

E não consigo descrever nem o amor, nem o tamanho que eles têm em mim e que sinto pelas minhas filhas, pelo meu neto, meus sobrinhos e sobrinhas, meus irmãos, minhas primas, meus afilhados, meus amigos, meus avós, minhas tias, meus pais.

São muitos amores e cada um deles, muito diferente.

Amo fazer tudo que amo todo dia? Não. Amo conviver com todos que amo intensamente, todos os dias? Não. Amo também ter a pausa, as saudades, a possibilidade de silêncio, de fome, de sentir o que desejo. Amo ficar sozinha, também.

Amor tem que deixar de ser “só” um sinônimo de casal, trisal, poliamor, de relacionamento de gêneros ou entre eles. Amor é coisa muito maior, mais espalhada, mais indefinida do que possa caber nessa “única” relação.

Amor é sentimento que faz a gente se sentir vivo, que faz a gente sentir que a vida tem sentido, sem ter. Amor não se sente sozinho, separado do mundo. Amor sempre é encontro, é plural, troca, é relação, é a importância que me leva a cuidar, a respeitar, a admirar, a saber ver. Por isso, a solidão é tão antivida, tão mortal e brutal, doentia.

Só se sente amor em movimento e tem que haver alguma coincidência, sincronicidade, mistério, encanto naqueles segundos onde o amor nasce, aparece. A gente precisa aprender a separar o amor da dor. Colocar ele na graça do inesperado, do sinônimo da graça que é o feito sem motivo, à toa, ao acaso.

Agora aquele amor de “mãe suficientemente boa”, como diz, Winnicott (tem muito a separar ele, da construção desta estrutura social perversa).

Aquele amor com desejo de pele e cumplicidade que a gente chama de casamento (tem muito a separar ele, da construção desta estrutura social perversa).

Existem muitos amores e muitos outros “resultados” da ausência do amor, sempre é dele que nasce ou morre quase tudo.

Gostar é sentimento pra gente com coração pequeno, gostar serve para objetos, para transitar entre pensar e sentir, gostar é “quase tanto faz”, gostar é migalha.

E a música? Quanto de amor tenho por ela? Ah, a música faz eu sentir que posso sentir melhor, tudo que vale à pena ser amado. Me organiza, me explica. Porque se a gente não descobre o que quer amar, ou quem quer amar e por quem quer ser amado, aí a gente vira mais um objeto que compra o vazio do “amo muito tudo isso”, que não ama nada, nem ninguém.

Vou sugerir que você leia o texto de novo, agora ouvindo uma música instrumental de Alexis Ffrench chamada Where the Heart is, sem letra mesmo, só para você experimentar ouvir onde o “seu” coração está. Pode ler de novo com ela, pode ouvi-la de olhos fechados, ou assistindo a um pôr de sol. Use como quiser para sentir.

Desejo que sinta.

Nota 1: Deveríamos mudar o nome/data do dia dos namorados para o dia dos amores. Imagine que maravilha de dia!

Nota 2: Pode fazer um poema com tudo e todos que você ama, muito ou pouco. Anote, misture sem pensar, desenhe, pinte, escreva, mas sinta.

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Vania Abreu Oficial

12 discos de carreira|diversas participações em trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão| Produziu 04 Álbuns| 01 Livro infanto-juvenil