Vania Abreu Oficial
3 min readDec 23, 2023

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Fonte: Pinterest

Todo final de ano entramos na medição de resultados. Pensamos se foi um ano bom, difícil, feliz. Tentamos dar uma nota para o ano.

Todo final de ano, também há lutos. Há lutos durante todo o ano, assim como, recomeços.

Luto de alguns sonhos, de algumas fantasias, de alguns planos, de alguns desejos.

Conduzidos pelas contas capitalistas, aprendemos a somar perdas e ganhos, metas e avaliar resultados.

Somos filhos da era da produtividade e do cansaço, como bem pautou Byung-Chul Han.

Talvez, por isso o Natal devesse ganhar significado de renascimento, mesmo, sem desejar aqui ponderar sobre os pesos do cristianismo, do patriarcado centrado nos valores europeus.

Deveríamos ter um ritual sagrado para cada ciclo de tempo, como há nos povos originários e que tanto nos fazem falta. O Catolicismo tentou substituir, criou seus dogmas e passagens de tempo, e, todos eles se perderam em rituais burocráticos, com palavras repetidas e vazias. A grande maioria, se colou ao poder de exibi-los, com boas produções e foram todos convertidos em festas, para ostentar poder. Nada para dentro.

A vida é feita de lutos finitos e infinitos, como sugere o título do livro de Christian Dunker, e sem percebermos, trocamos os lutos por frequentes sensações de fracassos.

Os lutos são bem vindos, fazem parte da vida, em qualquer tempo do mundo ou nosso, e, o tempo da vida é circular, jamais foi uma linha reta, sem sentido. A linha reta veio do tal conceito de evolução.

Os fracassos, assim vistos e contados, viram traumas, cunhados por uma sociedade demasiadamente competitiva, que alimenta ódios e classificações e estamos nos tornando especialistas em cria-los, aos montes. Vivemos irritados, isolados, ruminando as diferenças, criando ódios fúteis, dos pequenos e dos grandes. Estamos sendo preparados para termos corações bem pequenos, amarmos muito pouco a bem poucos.

Ao invés, de um coração forte e grande que saiba perder para aprender avaliar o que é digno de receber o bem, somos instigados a acreditar que quase ninguém merece amor.

Esses, ouso dizer, são lutos infinitos da própria essência da vida, do que ela é, sempre mudando.

Eu termino 2023, sem terminar nada, pois ainda estou viva. Dos pequenos lutos deste ciclo, agradeço por uns, que me ensinaram que alguns mistérios não tem respostas e que o mundo não gira em torno de mim. Outros, considero que são infinitos. Os infinitos carrego saudades e vivo com elas.

Não tenho pesares pelo passar do tempo, preciso celebrar o tempo. É tudo que tenho.

Acho feio quem diz sofrer com envelhecimento. Acho feio quem discorre sobre os cansaços da maternidade, do amor, ainda que sejam justas todas queixas por equidade. Acho feio quem tem um coração pequeno. Não odeio, mas acho muito feio mesmo.

Acho feio quem fala palavrão demais, empobrece os momentos de lembranças, temos palavras bonitas demais para “esquecermos” de usá-las.

Acho feio quem não coloca beleza em tudo que faz. E, a beleza é cheia de poesia, de sentido e sentidos. Decidi que não quero fazer as contas frustradas e rancorosas.

Quero passar por este Natal ritualizando-o um pouquinho mais. Colocar mais nomes na minha árvore de natal, junto as bolas e flores, nomes que deixaram saudades infinitas, acender velas para evocar presenças, falar de deusas e de que todas as crianças são sagradas. Quero ensinar que ter um coração grande é sinônimo de coragem e força e não o contrário.

Quero cozinhar e partilhar comidas com outras memórias, talvez finitas, lembrar e dar boas risadas sobre outros ontem(s).

Quero finalizar o ano sem fazer as tais contas, apenas sentir a continuidade que sempre houve e sempre haverá. É sobre prosseguimentos que devemos falar, do como podemos continuar, como cuidar infinitamente e mais amorosamente de tudo e de todos.

Quero receber o verão, nesse tempo do céu, com esperas de dias, em que possa contemplar o pôr do sol e seus tons, os azuis e seus blues, que eu possa descobrir canções que deseje ouvir de novo, ler livros e suspirar, que eu possa estar, onde deva estar, e que, esses dias deixem as melhores lembranças para desejar outro verão e mais outros meses, de 2024.

Desejo neste verão, tomar um banho de chuva (destas normais) e observar os reflexos nas poças d'água que se fizerem. Faz muito tempo, que não faço.

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Vania Abreu Oficial

12 discos de carreira|diversas participações em trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão| Produziu 04 Álbuns| 01 Livro infanto-juvenil