Passando

Vania Abreu Oficial
3 min readDec 14, 2021

Que ano esse de 2021!

Ele se arrastou pelos dias. Ainda estamos nele. Ela está indo, sem ir.

Um ano que veio cambaleando entre os dias. Quase caiu, quase tombou, quase morreu antes de acabar. Quase acabou com a gente.

Foi mais triste e mais difícil.

Me perguntei se haverá como festejar qualquer festa ao final dele, mas não é a palavra mais correta.

Não há nada a fazer festa ainda.

Comemorar seria a palavra?

Também não tenhamos nada a lembrar de tão feliz que possa ganhar lugar como conteúdo de um dia leve e tão feliz. Talvez muitos possam comemorar que sobreviveram.

Celebrar?

Também não é palavra correta. Seu significado de acolher com festejos ou com exaltação não encontram lugar em minha casa.

Conversando com um amigo decidimos que seria mais exata a palavra “passar”, vamos passar. Digo para mim. Nada de vamos festejar, celebrar, comemorar. Tudo está passando e estamos passando.

Estamos vivos e passando. Estou viva e passando.

Estamos todos vivos? Não. Os mais próximos estão bem?

Não poderia afirmar que estamos bem e todos estão vivos.

Seguimos passando e chegando perto da linha do calendário coletivo que marca uma contagem de tempo "quase final".

Não passamos ainda. A pandemia não passou, o presidente do Brasil segue nos trazendo indignação todos os dias, o seu governo segue destruindo muita coisa. Teremos muitas heranças dele e deixaremos um mundo muito mais difícil para os nossos descendentes.

É muito difícil ser brasileiro. Esse país atrapalha demais a felicidade.

E não quero que me digam que há países piores. É como me dizer que devo aceitar “um marido ruim” porque é trocar seis por meia dúzia. Não consigo ficar em paz, com tanta gente perversa no poder causando tanto sofrimento.

Passei o ano, passando mal.

Assinei listas de repúdio a desumanidades diariamente. Acompanhei desmandos, desmatamentos, deseducação, desmanches, destruições, decrescimento, defluxos, desvios, desalentos.

Guardei muita tristeza importante para não fazer dela violência e amargura.

Tenho mágoas profundas das pessoas que o elegeram ou lavaram as mãos.

Não sei como falarei pessoalmente com artistas e pessoas que tomaram o lugar de defesas destas desumanidades, nesse novo normal, depois que TUDO isso passar.

"Todas as coisas do mundo
não cabem numa ideia.
Mas tudo cabe numa palavra,
nesta palavra tudo". Arnaldo Antunes

Quero que tudo passe no sentido de que termine esse tempo, mas não caberá tudo nessa palavra, pedindo licença a Arnaldo. Na efemeridade da vida, estamos nos sentindo autorizados a sermos irresponsáveis, pela lógica do “tudo passa”. Essa frase que deveria ganhar sentido de aprendizado, tem se tornado desculpa para deixarmos tudo como desimportante.

Sei que iremos controlar a pandemia da covid-19. Já andamos mais seguros por aí. Sei que Bolsonaro é perecível e será lembrado na história como desprezível, por isso mesmo digo que estou passando atenta e à postos, passarei esperando o tempo em tudo isso vire passado e aprendizado, tomando a minha importância, de que sou um sujeito com total insignificância história para alterar rumos diante da força do poder. Sigo engrossando a luta possível num país que de tão grande não consegue se unir.

“Aprendizado” vem do Latim APPREHENDERE, “agarrar, tomar posse de”, de AD-, “a”, mais PREHENDERE, “pegar, agarrar”. O sentido metafórico é “agarrar com o conhecimento, com a mente”. Aprendizagem vem de aprender, de ad, “junto” mais prehendere, com o sentido de “levar para junto de si”, metaforicamente “levar para junto da memória”.

Na metáfora estou esperando, do verbo esperar passar, de que TUDO não passe em vão, que não seja esquecido. Aliás, esquecer é uma palavra perigosa demais para todo mundo e nesse caso, todo mundo não é muita gente não, é todo mundo mesmo.

Esquecer nunca resolveu nada, nunca fez festa, não tem como comemorar nada, nem acolher nada.

Esquecer é perder-se de tudo, do lugar em que está, da sua história, das pessoas, do tempo, do passado e do futuro e não estar presente.

Dentro do esquecimento não cabe nada, nem ninguém, nenhum dia, nenhum ano, nenhum sentimento.

E aí sim, cabe quase tudo em mim.

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Vania Abreu Oficial

12 discos de carreira|diversas participações em trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão| Produziu 04 Álbuns| 01 Livro infanto-juvenil