Do tamanho que cabe minha vida toda

Vania Abreu Oficial
6 min readDec 2, 2021
Foto de Edson Kumasaka — Arte de Marcelo Mendonça

Chego em dezembro de 2021, certa do que não quero, onde posso escolher hoje e tendo percorrido uma linha de tempo, de desejos, de lutos e de possibilidades que me fizeram compreender os limites. Há tempos já estava grande demais, mas tentei ocupar, dar sentido, tentei “administrar” muitas redes simultaneamente e não quero mais ocupa-las sem a devida atenção, sem o conteúdo devido que cada uma delas “exige” ou seria pertinente.

Estou vindo encerrando muitos ciclos e começando outros.

Eu me fragmento demais e percebi isso claramente nos três últimos meses que ocupei menos cada uma delas. Mesmo distante elas me tomavam tempo emocional, me traziam (trazem) a sensação de que precisava cuidar delas, de algo estava “mal cuidado”, sem atenção. Tenho sofrido com elas, desde a obrigação de estar nelas. E olha que já passei por orkut, Tumblir e tantas e tantas outras antes e que virão.

O exercício de pensar e produzir separadamente para elas, me rouba muito da alma e encontrei pouca saída para elas. A necessidade de emitir opiniões diárias sobre tantos assuntos tão sensíveis (muitos deles), alguns espinhosos para o momento sem sequer ter tempo de entender antes de me posicionar, me traziam e ainda me trazem profunda angústia. E tudo que não é em real time, neste tempo efêmero interessa pouco aos que estão nas redes.

A “frágil” facilidade de ter redes integradas por botões e publicar simultaneamente conteúdos que não deveriam ser exatamente iguais, administrar respostas em cada uma delas pessoalmente é desumano e até muito irresponsável. Inclua nisso a minha ausência do tal YouTube com vídeos que jamais foram pensados, pois considero de fato, que seja uma arte visual delicada, cujas características de valor incluem fotografia, luz, edição e outros demais. Tudo para mim tem que ter arte, afinal não sou blogueira (com o devido respeito aos que produzem vídeos específicos e úteis).

É inútil copiar, repetir tanto nas redes, estamos produzindo lixo visual, além dos físicos.

É desrespeito com quem está lá, com vocês, com pessoas e com cada uma das pessoas que ali colocam comentários (muitas vezes importantes) afinal elas foram criadas para serem redes e não são outdoors.

Também não posso estar como quero em cada uma, caso contrário, teria que abandonar, negligenciar o meu processo criativo, minhas necessidades reais e imateriais de tempo, meus gostos estéticos e suas exigências que também me definem. Teria que deixar meus livros sem mim, minhas coisas práticas acumuladas e “viveria” para criar conteúdo para cada uma delas.

Quais seriam os propósitos que justificariam empenhar tanto tempo? Aumentar seguidores?

Cá entre nós, tenho muitas dúvidas desta audiência que não é um público diretamente para shows, que não é necessariamente ouvinte da minha música ou leitor dos meus textos ou livros.

Muitos diriam que eu poderia me tornar uma “influencer”, opa! Não quero com todo respeito à todes que o são. Não quero ter que mediar o mundo todo ou me especializar num assunto ou ficar numa tribo de assuntos.

Quero falar de vida, de alma, de arte. Melhor quero oferecer todas elas juntas e misturadas. Quero ouvintes e leitores, por isso preciso de tempo para produzir exatamente isso e melhor. E fico sem saber o quê coloco e onde. Escrevo para o Instagram e não necessariamente cabe tudo pelo limite de caracteres e lá também não é para textos. Daí sequer consigo salvar meus escritos pela perversa ordem desordenada que as redes juntas nos fazem viver. Então, preciso me organizar já que o mundo está me confundindo. Instagram é para um material, Blog são e devem ter textos (ainda que possam ser curtos).

Tem gente que consegue estar, se expõe, aproveita até, mas não sou eu.

Eu até esqueço do celular quando estou vivendo.

Não por receio de me expor, mas por desejo de ter meu espaço preservado, por achar que decido melhor depois que vivi e penso elaborando e não quando estou vivendo e postando.

Minhas matérias primas são imateriais.

Gosto de cozinhar comida afetiva, ouvindo Ella Fitzgerald, sozinha e para poucos.

Meu jardim e eu em silêncio, nos entendemos melhor.

Eu e meu espelho descobrimos melhor quem somos, que roupa vestir quando não precisamos nos mostrar tanto.

Meus treinos são em casa há mais de dez anos porque as academias são cheias de outros olhares, sons e objetivos.

Filhos e família não são conteúdos, maternidade e relações familiares, certamente, sim. Não são matérias-primas diretas de meus "produtos".

Gosto mesmo de e só plateia, quando estou no palco ou exibindo algo artístico.

Não quero expor minhas filhas, que além de adultas, têm o direito à privacidade delas e a não serem reconhecidas primeiramente e “apenas” por serem minhas filhas. Elas são muito mais que “isso”. Poderia “exibir” meu neto, os aconchegos e aprendizagens de ser avó, falar da maternidade continuada, mas as pessoas não são conteúdos e ele também precisa de proteção e privacidade.

É muita carga emocional ser “famoso” desde pequenos ou mesmo quando adultos, apenas pelo reconhecimento pelo outro e não por você mesmo.

Sei profundamente desse lugar. Ele serve para atender apenas aos outros e seus desejos pequenos.

Reitero que respeito profundamente todas as frentes de “compartilhamento” de experiências femininas, masculinas, humanas e seus ganhos de representatividade e ecos para compreensão das cargas efetivamente duras sobre as mulheres e grupos sem visibilidade, mas de novo não quero. Posso falar sobre feminismo, maternidade, machismo, dentre muitos assuntos por lugar de fala, entretanto não quero expor as pessoas que me são caras, nem a mim quando publico essa minha parte, que contém muitos outros e com eles quebro um pacto de respeito, quase de confidencialidade como um direito à nossa cumplicidade.

Voltando as preocupações gigantescas com o planeta que se somam aos meus critérios éticos e artísticos, tudo que publicamos nas redes ocupa muito espaço no mundo material. As estruturas físicas que propiciam nossa comunicação por dados, que possuem registro de tudo que fazemos e os guardam e que chamamos de nuvens ocupam hectares, quilômetros quadrados na superfície e que precisam ser rigorosamente refrigerados.

Enfim, tem muito assunto dentro da minha decisão.

Por isso, resolvi que manterei e de forma diferente apenas três espaços nas redes que poderei ocupar com alguma competência e alguma criatividade.

O blog (aqui) com minhas palavras, escritos, reflexões e o que couber nele e cabe muito, o Instagram e apenas para imagens artísticas no feed — cards, divulgações, outros mais ficarão nos Stories e o lugar da música, onde ela estiver.

Só essas três serão alimentadas e já acho bem bom.

Vou fazer uma exclusão de muitos conteúdos no Instagram para diminuir essa carga de memória na nuvem que mora no chão, também como parte de um encerramento de um ciclo novo.

Nada relacionado a omissão de opiniões, elas estarão e seguirão vivas em mim e sendo públicas.

Vou também cancelar as minhas contas no começo de janeiro de 2022 no Facebook e no Twitter.

Peço desculpas aos que me seguem nessas e convido a me seguirem no Instagram e no meu blog.

Deixá-las inativas ou em cópia do Instagram são como manter um quarto vazio, sem luz, trancado e com possibilidade de juntar poeira desnecessariamente e ninguém precisa de tanto espaço assim.

Traz angústia e marcar território não é da minha alma, nem do meu corpo. O Youtube ficará para os ouvidos com música.

Entendo que escrever o que escrevo, cantar o que escolho cantar e já cantei, ter posições políticas e tê-las tornado-as públicas sempre que se fizeram importantes, é o mais fundamental e me edifica. Agora produzir seguindo ondas com danças, selfs, repostar para estar, não é a minha.

É bom cada um escolher o que faz sentido existir para si mesmo em 2022 ou hoje mesmo.

Meu texto de hoje é uma “satisfação” carinhosa aos que me acompanham nessa jornada por aqui, que tanto revela sem audiência.

Espero muito poder entregar a vocês coisas cheias de alma e de vida muito melhor cuidadas.

Voltei a usar máquinas fotográficas. Voltei a saber como salvar para mim e não deixar nas redes todas as minhas memórias pessoais misturadas com a da minha carreira. Minha família, minha casa e meus momentos íntimos não são conteúdos. Meu computador voltará a ter pastas que me fazem achar caminhos para achar arquivos.

Num mundo saturado de lixo na terra, nas águas, no céu, nas redes, nas mentes e corpos sinto profundamente que devo produzir cuidadosamente “menos” e melhor (talvez + por isso). Essa ideia cruel, desalmada de que podemos dar conta de tudo é impiedosa com a vida de cada um, com o planeta. Cada vez mais acredito que o mais importante é sermos gente grande nos “micros” espaços que ocupamos.

Esse e isso sim é e será sempre nosso maior lugar.

Virão outras manhãs cheias de sol e de luz.

O mundo deve voltar a ser pequeno e com muito menos coisas para vivermos nele.

Vania Abreu, São Paulo, 02 de dezembro de 2020

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12 discos de carreira|diversas participações em trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão| Produziu 04 Álbuns| 01 Livro infanto-juvenil