Sou muitas.

Carta aos que estiverem por perto.

Aos que me veem e talvez não me enxerguem.

Vania Abreu Oficial
5 min readSep 23, 2021

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Tenho me perguntado sobre quem eu mostro ser para o outro.

Fui educada para ser discreta e isso é regularmente confundido com timidez, desânimo, talvez até com arrogância.

É duro dizer para muitos, mas não me preocupo em conquistar todos que estejam num lugar e em aparecer sempre.

Sou dessas que repara nas flores no Ipê e depois que as vejo no chão, não sei qual lugar acho que é mais bonito vê-las.

Sou dessas que repara nas palavras escolhidas e me derreto por uma frase bem dita.

Reparo nos instantes e nos silêncios.

Reparo na gentileza que não parece educação.

Reparo no afeto quando o recebo.

Reparo na beleza e no ostentar do luxo tentando se disfarçar dela.

Reparo na delicadeza.

Dentre tantas coisas do mundo, reparo muito nos detalhes que trazem inspiração (quase todos eles) desde uma xícara de café numa mesa arrumada com afeto, até numa árvore frondosa, bela e imponente no meio de uma calçada estreita, numa avenida sem nenhum silêncio para merecê-la.

Posso gargalhar com uma bobagem inesperada, quase óbvia com ar de ingenuidade e sequer sorrir do humor provocado para ser engraçado.

Sou bem desconfiada com números, risos esperados e repetições.

Gosto de assistir a shows de quase todos os estilos musicais, mas preciso que o som esteja bom (explico mais para frente).

Gosto de ir em museus, galerias, bienais, saraus de leituras, de ir em festa de crianças (se tiver mágico então, amo), amo ir ao circo (sem animais), adoro parque de diversões, adoro dançar no carnaval, disco music e de não pagar mico de turista no carnaval da Bahia.

Gosto de ir aos estádios em partidas de futebol (sendo o futebol, no que menos reparo). É muito interessante observar as paixões e como elas unem os diferentes sem precisar de nenhuma explicação. Exemplo: Bob Marley e Mancha Verde.

Gosto de jogar vídeo games, jogos de tabuleiro e detesto qualquer jogo de poder ou estratégia de manipulação na vida real.

Gosto de estudar e ler. De andar de bicicleta, de treinar em casa, de fazer coisas a pé.

Sou curiosa por natureza.

Amo ir ao cinema e sinto uma alegria bem boa de ir sozinha à muitos lugares.

Adoro cuidar da minha casa e do jardim em dias de céu azul, gosto de cozinhar à noite (descobri o período preciso, a pouco tempo) e de trabalhar qualquer dia com propósitos, no plural.

Amo ficar horas na praia e esperar o sol ir embora, antes de mim.

Festas?

Gosto mais de festa que tenha razão de afeto ou celebração justa e com indicação de tamanho. Gosto de encontro para aumentar intimidade e de festa grande para ter a invisibilidade como um direito. Posso observar o carnaval com uma alegria inexplicável.

Reparo também na alegria que falta em algumas festas forjadas e de como quase ninguém sabe escutar música e bebe muito para achar alguma coisa.

“Deixa eu te contar mais de mim…”- eu amo música para ouvir, ver, sentir e dançar, mas para dançar … eu preciso de uma linha de contrabaixo bem boa, para me dar vontade de usar meu corpo com o som, tem que ter um som bom.

Reparo em frases de sopros, em riffs de guitarra e baixo, em melodias de cordas, nas escolhas estéticas da faixa, nos vocais, nos chamados “especiais” instrumentais e nos assuntos musicais de cada instrumento. Reparo e escuto música instrumental também com o mesmo interesse que tenho por uma canção. Cada música bem tocada e bem gravada é um mundo de descobertas “infinitas”. Posso ouvir as mesmas músicas (que gosto) e não se esgotarem em beleza para mim.

Assim como aprecio o silêncio que existe, quando existe por ele mesmo.

Posso ficar olhando o mar por horas, como se nunca o tivesse visto.

Gosto de ouvir samba, mas não fui cunhada culturalmente para usar o samba para dançar e como uma festa. Samba é samba para mim, e é outra coisa. Gosto de ouvir e ver. Festa é festa e carnaval é carnaval.

Eu tento ser elegantemente humana, estar sem me tornar o centro das atenções sempre, ou só por ser artista. Sobre os seres humanos nos espaços, penso.

Aprendi tristemente como alguns artistas podem estragar qualquer ambiente afetivo, nos calendários de encontros, por tornarem esses espaços, compromissos sociais na sua agenda de divulgação.

Reparo em como os maridos (sim, os heteros) se dirigem às mulheres, aos filhos e filhas. Traz esperança de futuro quando há menos hierarquias conservadas e frases repetidas.

Tenho cada vez mais, notado o machismo e a misoginia e os preconceitos nos micros espaços.

Reparo nas crianças (quando estão) e procuro (com a confiança dos pais, obviamente) conversar com elas. Sim, quero ouvi-las porque sempre me trazem algo maravilhoso sobre o mistério. E nos mais velhos (existem os que envelhecem cheios de vida e os que envelhecem armagurados)

Reparo em lugares em que não há nenhum negro, nenhum outro gênero e/ou outros diferentes da diversidade. Reparo nas bolhas e não gosto delas. A não ser que sejam as que sejam as diversas, nesse momento.

Reparo nas frases das pessoas, nas piadas e até mesmo na troca de assunto.

Não esqueço de quem me apresentou a algo inesquecível como um livro, um autor, um artista, um filme.

Reparo sim, em muita coisa e outras tantas mais, de nada lembro.

Por quê dizer “tudo” isso? Porque num tempo onde a divulgação e o “teatro” fazem muitos acreditarem que enxergam o mundo e as pessoas, tenho reparado ou pressentido que posso parecer ser outra coisa. Todo nosso corpo pode ser lido, mas é preciso saber interpretar a verdade da aparência.

Eu gostei de ter escrito tudo isso que gosto de fazer e no que reparo, não para me vender. Escrevi para evitar a publicidade visual que confunde o que é forma e o que é conteúdo.

Eu vivo de um jeito que só é meu e onde cabe muito da vida.

Nota 1.: Amo árvores e seus troncos. Nesta foto, eu estava grávida de minha segunda filha, Nina e abraçando uma Jequitibá Rosa do Parque Estadual Vassununga — Santa Rita do Passa Quatro, no interior de São Paulo. Eu reparo em quase todas as árvores e não esqueço que foi Germano Quaresma que me apresentou aos jequitibás. Foto tremida com a sombra do meu corpo a fotografando-a. Somos todas essas.

Nota 2.: Tenho muito desejo de conhecer pessoalmente as sequoias.

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Vania Abreu Oficial

12 discos de carreira|diversas participações em trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão| Produziu 04 Álbuns| 01 Livro infanto-juvenil