Foto: Edson Kumasaka

A vida gosta de tempo

Vania Abreu Oficial

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A realidade estava enorme. Agora parece de um tamanho menor.

O tempo estava sem andar, sem querer andar.

Os dias pareciam frágeis demais, mudavam todos os planos, todo dia um acaso mudava o tempo.

Os planos pareciam desnecessários.

Nunca pensei que o mundo iria andar para trás, que iria mudar tanto, sem mudar.

Todos os dias somos inundados de pequenas crueldades filmadas, expostas. Sim, é um importante lugar das redes, acabar com a hipocrisia, mas a realidade ficou grande demais.

Não, eu não estou em depressão, nem estava.

Sou uma mulher serena, cultivo o silêncio e a delicadeza. Não gosto de perder as pequenas e profundas belezas.

Há músicas demais no mundo, textos demais, fotos demais, vídeos demais, violência demais, tudo demais. E falta tanto para termos um mundo que caiba a beleza que precisamos.

Tudo anda mais efêmero que a cada dia. Toda música é ouvida e esquecida. Todo texto é quase lido e esquecido. Quase tudo tem passado, sem deixar nada.

Não, não falo desse tempo em silêncio que passei sem escrever aqui, falo de muitos anos. Tenho pensado em quase dez anos, talvez 20 anos de catarse, velocidade, irresponsabilidades, maldades, como se o mundo estivesse numa volta tão rápida que ninguém viu para onde estávamos indo.

A pandemia ainda existe, se esticou, deixou marcas, entristeceu-nos, assim como, tudo que ouvíamos e assistíamos ser dito nos noticiários. Parecia um pesadelo, um sequestro de nossa humanidade, um caminho sem volta.

Estamos ainda (todos nós ou todes nós) sentidos e ressentidos, tentando recuperar uma alegria que não pode ser a mesma, tem que ser outra, vinda de outras alegrias. De outras novas, diferentes.

Quando tudo fica pesado demais, cheio demais, confuso demais eu subo num pé de goiaba ou goiabeira, como fazia como menina. Lá, eu fico para ler o mundo e sobreviver ao caos.

Me faço perguntas para aprender a separar isso, daquilo (a diferença entre coisas de natureza semelhante).

O mundo não deu certo, do jeito que disseram que ia dar. É tempo de consertar, recomeçar, cobrar, de fazer as coisas bem devagar para serem bem feitas e durarem mais e melhor.

A velocidade não existe no tempo contado por nós. A vida não gosta dela.

A vida gosta de tempo.

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Vania Abreu Oficial

12 discos de carreira|diversas participações em trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão| Produziu 04 Álbuns| 01 Livro infanto-juvenil